
A santista Tainara Lisboa , de 31 anos, é a mais nova contratada do Ultimate Fighting Championship ( UFC ). Única representante mulher da Baixada Santista no maior evento de MMA, a bicampeã mundial de Muay Thai assinou contrato para lutar pela categoria peso-galo no início do mês de junho. Ainda sem data para estrear no evento de Dana White, Tainara conversou com o iG Santos sobre carreira, treinamentos e o principal desafio dos atletas: falta de patrocínio e apoio .
Para a multicampeã, já que pelo Muay Thai além dos campeonatos mundiais ela já havia conquistado o título estadual, brasileiro e sul-americano, o UFC pode ser considerado a Copa do Mundo da luta. “É o ápice da carreira de todo atleta de luta, é o lugar mais desejado, mais alto. Poder conquistar meu lugar depois de tantos anos de trabalho, tantas lutas, dificuldades, é incrível”, disse a santista.
Nas redes sociais a atleta postou diversos vídeos comemorando a assinatura do contrato com o UFC e segue em êxtase com a conquista de entrar para o evento mais importante das Artes Marciais Mistas (MMA). “É difícil explicar uma sensação, dar uma palavra para todos esses sentimentos. Eu já chorei, já sorri, desacreditei, pulei e corri para contar para todos que eu amo. Eu não tenho palavra que defina toda a gratidão, a felicidade que estou sentido”.
Com sonho realizado, de entrar para o UFC, agora o foco é conquistar o espaço de destaque entre os atletas de MMA, degrau por degrau, até a conquista do tão almejado cinturão de campeã do peso-galo. Ainda sem data de estreia, ela não tem preferência de adversária.
“Eu não tenho nenhuma lutadora em vista, eu quero mesmo é lutar! Quem a organização achar que eu devo enfrentar eu vou com maior alegria. Óbvio que o foco é o cinturão, mas tudo no tempo certo, na hora certa”.

O tão sonhado contrato com o UFC chegou em 2022, mas a jovem está no esporte há 17 anos
Além das inúmeras conquistas como atleta, para entrar no UFC é necessário enfrentar a parte burocrática que é muito específica. Tainara explicou que para a entrada na organização foi necessário ter um profissional especializado no ramo. “No último mês eu fechei com um empresário e tive a alegria de fechar com o Joinha, um dos melhores empresários. Depois de tudo ele conseguiu colocar a gente lá”. Jorge Guimarães acompanha o MMA desde o início e já auxiliou a carreira de grandes atletas do esporte como Anderson Silva, Lyoto Machida e Rodrigo Minotauro.
A atual campeã da categoria em que Taianara vai disputar as lutas é a norte-americana Julianna Penã, e a líder do ranking é a brasileira Amanda Nunes.
Que música vai ser escolhida pela atleta para entrar no octógono? Ela brinca que é a "pergunta que não quer calar", mas ainda não foi escolhida. "Andei pensando esses dias e ainda não consegui chegar a conclusão".
Primeira mulher da Baixada Santista no UFC
Além da felicidade em estar no maior evento de MMA, a atleta comemora ainda ser a pioneira da região da Baixada Santista (que integra outras oito cidades além de Santos) na organização. “Ser a primeira mulher santista é sensacional. Eu me sinto muito feliz de poder mostrar para outras mulheres que sonhos são possíveis. Quando alguém tão próximo da gente chega em um lugar tão alto, tão sonhado, todo mundo que está em volta começa a acreditar”.
Tainara disse ainda que o esporte é um lugar muito solitário, sem apoio. “Cansa, muitos talentos ficam pelo caminho. Quando a gente vê alguém tão perto, da nossa região, que a gente treina, que está no nosso convívio, traz mais esperança. Eu me sinto muito feliz em ser essa pessoa".
Um dos ídolos da atleta no esporte é também um velho conhecido dos moradores da Baixada e do mundo, já que já conseguiu conquistar o cinturão no UFC. Charles do Bronx, atleta de Guarujá, é uma das inspirações da santista. “É difícil ter um ídolo só, mas sou fã do Charles, a história dele me motiva. Um cara que demorou 11 anos para conquistar o cinturão, que cresceu na organização mesmo com vários altos e baixos, e nunca desistiu. A história dele é muito bonita e me motivou muito”.
Além de Charles, ela admira também outros atletas que conquistaram seu espaço dentro do UFC como Amanda Nunes, Ketlen Vieira, Ciborgue e Anderson Silva.
Carreira vitoriosa
Aos 31 anos, Tainara está há 17 anos no esporte, e sua origem é o Muay Thai. Além dos campeonatos conquistados no continente, ela foi a primeira mulher brasileira a ganhar o mundial da modalidade em 2013 e um ano depois conquistou o bicampeonato - ambos na Tailândia, berço do esporte. Até o momento nenhuma atleta conseguiu bater o recorde. No país asiático ela passou seis temporadas, com duração de cerca de três meses cada, entre treinamentos e campeonatos.

Equipe multidisciplinar acompanha atleta há cerca de 5 anos
Nos últimos cinco anos Tainara Lisboa vive intensamente o mundo do MMA. “Eu tive que mudar muita coisa, tive que trabalhar muito Jiu-jitsu, porque eu vim do zero. Adaptei bastante a minha trocação porque o Muay Thai é uma luta mais plantada e o MMA exige mais jogo de perna, movimentação e também melhorei meu boxe”. Recentemente recebeu a faixa roxa no Jiu e conquistou dois títulos mundiais da categoria No-Gi, pela CBJJE.
Até o momento Tainara tem cinco vitórias, três por nocaute técnico e duas por finalização. A atleta foi derrotada apenas duas vezes.
A rotina de treinamento não mudou até o momento, pois como alertou a atleta: “em time que está ganhando não se mexe”, mas agora eles estão mais intensos, ainda mais profissionais. “A rotina é bem puxada, pois o MMA exige várias modalidades como o boxe, wrestling, jiu-jitsu. Eu faço preparação física e o treino específico para o MMA, são de 2 a 3 treinos por dia. Ainda tenho fisioterapia, psicóloga”. Além dos treinos, Taianara dá aulas como personal.
Ao lado do namorado, um dos maiores incentivadores da atleta e Head Coach Bruno Podengo, ela montou a equipe multidisciplinar Damas 013. “Eu tive muita sorte de encontrar gente de muita luz no meu caminho, que acreditou nos meus planos, nos meus sonhos. Ele é o meu grande incentivador. Ele é autônomo, sua muito para conseguir dinheiro e nunca poupou para me ajudar. Fizemos escolhas e por isso abdicamos de muitas coisas. Investimos o pouco que tínhamos na minha carreira”.
Bruno divide o cargo de Head na equipe Damas 013 com Carlos Cruz e fazem parte da time Daniel Shimura (Jiu-Jitsu), Felipe Moledas (Boxe), Flavio Ramos (Wrestling), Marcos Rocky (Muay Thai), Krom Guedes (preparador físico), Anderson Fonseca (Judô), Rubens Amaral (Médico do Esporte), Alexandra (Fisioterapeuta) e Sandra Filato (Psicólogoa).
“São profissionais excelentes. Vamos dar ainda mais ênfase aos treinamentos, pois estamos alcançando bons resultados. Assim que tivermos uma adversária a gente monta um camp (treinamento específico) voltado para a lutadora em cima das qualidades e das falhas da adversária”.
Falta de apoio e patrocinadores
Apesar da carreira vitoriosa e da conquista do contrato com o UFC, um tema recorrente a maioria dos atletas brasileiros também afeta a santista. “A maior dificuldade é o patrocínio, a gente não tem apoio, as pessoas não acreditam. É triste saber que um atleta só é visto por patrocinadores quando chega lá. Eu sou santista, mas não tenho apoio da cidade. Já conversamos, mas nunca chegamos em um acordo, é uma pena”.
Com a entrada no esporte no início da adolescência, Tainara sempre se dedicou a carreira e fez trabalhos que pudessem dar liberdade para treinos e campeonatos, mas que não rendiam tanto financeiramente e todas as conquistas foram a base de muito suor. “Fiz panfletagem, trabalhei em buffet, fiz brigadeiro, camisetas, rifas”.

Atleta é a única brasileira a conquista o bicampeonato mundial de Muay Thai
A profissional contou com apoio da família para dar conta da carreira de atleta quando era mais nova. O pai, caminhoneiro, e mãe, dona de casa, já tiveram também carrinho de caldo de cana, barraca de praia. “Eles fizeram de tudo para manter a família e, mesmo com a vida simples que tínhamos, eles sempre me apoiaram e sempre tentaram me ajudar”.
“O atleta só é reconhecido quando chega em um grande lugar, mas até lá ele precisa resistir a todos os empecilhos, falta de condição, de grana, de investimentos. É muito difícil, e eu senti isso na pele todos esses anos”, completa.
Mulheres no UFC
Em fevereiro de 2013 o UFC realizou a primeira luta entre mulheres com Ronda Rousey e Liz Carmouche. No mesmo ano, a brasileira Jessica Andrade se tornou a primeira brasileira a entrar no octógono. No total, 21 lutadores entraram em ação em 2013.
“Eu fico muito feliz de ver como as coisas estão hoje, como a mulher está ganhando espaço, visibilidade, valorização. Eu sou atleta desde os meus 14 anos e passei por várias etapas da mulher no esporte. Ver o espaço que a gente está ocupando, que a gente conquistou na marra, esse ganho no MMA, no UFC, é uma alegria”.
"No UFC a Ronda Rousey foi uma grande divisora de águas para a gente. Ela quebrou vários tabus, caiu nas graças do público e escancarou a porta para a gente poder vir. Espero que as nossas condições e oportunidades só melhorem”, finaliza a atleta.
Pouco menos de 10 anos depois, em 2021, o número de mulheres na ativa no UFC era de 113 lutadoras (19% do total de atletas) com 96 lutas. Em 2021, todos os eventos da organização liderados por uma luta feminina tiveram pelo menos uma brasileira na disputa. Os dados são referentes até o dia 31 de dezembro.